A autorização para loteamentos de alto padrão nas Áreas de Proteção Permanente (APPs) tem agravado o problema de enchentes e desastres naturais quando ocorrem fortes chuvas, além de comprometer, a médio e longo prazo, captação para o abastecimento de água em Campinas.
Este foi o cenário apontado pela ambientalista e presidente da Organização Não Governamental APA Viva, Ângela Podolsky e pelo professor da Faculdade de Arquitetura (FAU) da PUC-Campinas, João Verde, durante a quarta reunião da Comissão Especial de Estudos (CEE) para analisar e propor intervenções, projetos, obras e políticas públicas de combate a alagamentos, inundações e enchentes no município de Campinas.
Além dos especialistas, participaram da reunião os vereadores Paulo Bufalo (PSOL), presidente da CEE, e Cecílio Santos (PT), relator.
Angela Podolsky apontou que as construções na APPs precisam ter critérios para manter o formato natural preservação do local e que isso é fundamental para prevenir tragédias. Ela ressaltou a proposta de desenvolvimento da cidade a partir de suas bacias hidrográficas, conforme defendia o arquiteto ex-prefeito de Campinas Antônio da Costa Santos, o Toninho (PT), assassinado em 2001.Existem duas APPs em Campinas, a do Campo Grande e a APP Campinas, localizada na região dos Distritos de Sousas e Joaquim Egídio. “Há um avanço imobiliários nesta APPS e a fiscalização é pífia. Enquanto não houver fiscalização efetiva, controle da ocupação, haverá desastres naturais” alertou a ambientalista.
Ainda de acordo com Podolsky a Apa de Campinas tem 2500 nascentes, grande quantidade de ribeirões e corpos d’água com vocação de abastecer o município. “O Estudo de zoneamento da área e mostra porque precisa ela ser preservada. A preocupação é o adensamento urbano na APP, pois possui solo frágil e é local á de proteção de biodiversidade, com ocorrência de várias espécies ameaçadas. “É uma área de manancial, foi criada porque é onde faz captação de água e hoje é a única, porque a Sanada não capta mais no Capivari por causa da qualidade da água” explica Angela Podolsky.
Para a ambientalista, o que vem ocorrendo na região é um exemplo do que não deve ser feito em termos de expansão urbana. “A Apa Campinas tem delimitado uma área urbana de ocupação. Está em estudo projeto de loteamento que ocupa área urbana regular, mas prefeitura aprovou expansão em 30% para área rural, para cima da zona de conservação de manancial. O loteamento, com as construções das casas, vai ocasionar muita movimentação de terra e haverá consequências para a toda a região. O condomínio está impermeabilizando áreas. A quantidade de chuvas tem aumentado e o impacto em quem mora nas beiras dos rios é maior. Portanto essas tragédias vão atingir com mais gravidade os mais pobres”, aponta Angela.
Ela aponta também que, apesar das várias representações de ONGs e associação junto ao Ministério Público, a prefeitura aprovou esses loteamentos nas APPs, com acréscimo de 30% na área. “O próprio poder público, que deveria proteger as beiras de rios, para prevenir as tragédias, chancela essa situação” lamenta.
Obras devem mudar concepção de impermeabilização do solo
O professor João Verde apontou a necessidade de novos projetos de construção trabalhar com responsabilidade para evitar impactos, obras que movimentam terra. “Essa é uma preocupação que temos na universidade, na formação de um corpo técnico preocupado com a preservação, pois estamos estragando o planeta” lamenta.
Ele informou que a ampliação de 30% na área dos loteamentos foi debatida no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condema) e deveria ter sido tratado com mais cuidado pelo poder público. “O Eia-rima (Estudo e relatório de impacto ambiental) previa uma área e aprovado foi outra. Toda sociedade vai pagar o pato por esse erro, pois as construções vão chegar perto do ponto de captação de água e com qualquer temporal vai levar uma grande quantidade de terra no rio e captação deve ser suspensa. Será um impacto que termos por muitos anos: agora a obra, depois as construções, aterro movimentações, choveu vai tudo para o rio. Isso é muito mais grave que poderíamos imaginar. Tem que suspender a obra numa determinada área antes do rio” alerta João Verde.
A pior chuva ainda não veio
Citando um antigo professor, João Verde apontou que as obras anunciadas de contenção de enchentes nos pontos críticos da cidade no córrego da Norte Sul e da Orozimbo Maia resolverão o problema. “A pior chuva ainda não veio, elas vão ficar cada vez mais intensas”, prevê. O professor aponta ainda que não é levado em conta que 75% dos gases do efeito estufa é produzido nas cidades e portanto é necessário mudar a forma de mobilidade, adensar as cidades, com menor deslocamento e desenvolvimento de transpor coletivo e não poluentes como bicicletas e deslocamentos a pé. Para isso precisa desenvolver sistema mistos de centros urbanos, com residência e serviços na mesma localidade para evitar grandes deslocamentos diários.
João Verde também apontou a necessidade de requalificação da vegetação na cidade, com mais arborização, telhados verdes, mais áreas permeáveis e construção de jardins de chuva. “Grandes obras de contenção de enchentes não resolvem, elas transferem o problema para outra área. É preciso reter a água no território, com incentivo à permeabilização do solo. Essas questões devem pela sociedade” observa.
Assim, políticas de captação, aproveitamento e retenção da água da chuva minimizariam as enchentes e poderiam ser reaproveitadas para uso menos nobres. “Em pleno 21 usamos água tratada no vaso sanitário. Portanto, é fundamental educação social sobre a importância da água, do solo, dos jardins, da economia de água, resolve com cada um fazendo sua parte” aponta.
O vereador Cecílio Santos afirmou que relatório deve analisar e endurecer o regramento nas áreas de Apa que não deveria nem ter loteamento. “Temos que estar atento à questão da fiscalização e a Câmara Municipal deve acompanhar para impedir que essas atrocidades aconteçam. Também destaco a importância de propor educação ambiental nas escolas municipais, pois os alunos podem levar essa conscientização para suas famílias”, comenta.
Paulo Bufalo também observou a importância da educação e destacou o processo de agravamento ano a ano, da intensidade das chuvas e das tragédias. “Cidades consolidadas cederam facilmente a chuvas. Portanto cabe aos poderes públicos pensar em saídas e enfrentar a realidade que está as portas”, alerta.
Por fim, Paulo Bufalo destacou que a comissão acolhe e toma conhecimento do loteamento em Souzas e que já há requerimentos cobrando. “A CEE também fará chegar ao Ministério Público esse alerta e pensamos no futuro, aperfeiçoar fiscalização em rigor. A medida efetiva hoje será um ofício ao MP daquilo que recebemos nessa reunião”, conclui.
A integra da reunião pode ser assistida no link