por Alê Freire

Está em andamento uma proposta de criação de uma enorme área para instalação de empresas de base tecnológica em Campinas, no âmbito de um projeto chamado HIDS. A apresentação do projeto em Barão Geraldo pela prefeitura no dia 21 de Novembro foi pouquíssimo divulgada e aconteceu em horário comercial, quando muitos não conseguem participar. Saí com a nítida impressão de que será preciso muita discussão sobre esse projeto, discussão que deve ser feita de forma realmente participativa.

Apesar de estar sendo divulgado como um projeto “sustentável” (palavra da moda), vai impermeabilizar uma área gigantesca, liberar a verticalização de edificações sem limite de altura, atrair uma grande quantidade de carros, para queimar ainda mais combustível fóssil na cidade, entre outros impactos.

Ironicamente, a apresentação ocorreu na mesma semana da COP-27, onde se discutiu o mercado de créditos de carbono, um novo cenário em que áreas verdes deverão ter alto valor econômico.A emergência climática deveria estar nos movendo em direção a uma mudança radical da nossa relação com a Mãe Terra, com a valorização de áreas verdes permeáveis, do plantio de árvores, da nossa relação com todos os seres viventes.

Da simples (porém cada vez mais rara) possibilidade de enxergarmos o horizonte para contemplar um pôr-do-sol. Impedir a visão do horizonte, tirar o sossego de um bairro, aumentar a poluição sonora, do ar, afugentar os bichos, tudo isso deveria fazer parte de um velho mundo, que precisamos abandonar de vez.Não descarto a importância do trinômio ciência, tecnologia e inovação.

Pelo contrário, penso que deve ser uma ferramenta fundamental para gerar conhecimento e produzir soluções para a mudança necessária. Mas questiono um projeto que se baseia numa experiência de Seul, que pode já estar velha. Sim, o novo de que precisamos ainda está para ser concebido.

As mudanças climáticas são hoje a maior ameaça à economia global, segundo o Fórum Econômico Mundial, e a maior ameaça à saúde humana, segundo a OMS. Neste momento, o mundo está de olhos voltados para o Brasil. Temos um altíssimo potencial para estarmos na real vanguarda, e Campinas é um polo produtor de conhecimento de ponta, que pode dar uma contribuição relevante.

Mas esse processo deve ser participativo. Não podemos correr o risco de criar algo que amplie ainda mais a enorme desigualdade social no município. Aliás, o combate à desigualdade social depende também da conservação do meio ambiente e as consequências das mudanças climáticas atingem mais as populações mais vulneráveis.

Especulação imobiliária é coisa de um velho mundo que precisamos deixar para trás! Precisamos abandonar o século XX e entrar no século XXI, de uma vez por todas. As consequências do nosso apego ao passado serão cada vez mais terríveis, comprometendo irreversivelmente as futuras gerações.

Sonho com a cidade fazendo uma revisão profunda sobre a sua relação com a Mãe Terra, de forma ampla, interdisciplinar, participativa. Inclusive ouvindo nossos povos originários, que têm muito a ensinar nessa questão. Campinas tem acolhido um fluxo importante dessas pessoas nos últimos quatro anos, que deve ser aproveitado nessa discussão.

Ordenamentos jurídicos inspirados em uma dimensão ecológica do Bem Viver têm surgido em alguns lugares do planeta, tais como a reforma constitucional de 2008 no Equador, as leis bolivianas de 2010 e 2012, bem como as propostas discutidas pela recente assembleia constituinte no Chile. Campinas tem o direito de ter sua Lei dos Direitos da Mãe Terra, que sirva de modelo para outras cidades do Brasil.

Que nasça o novo mundo!