Por Paulo Bufalo
Estamos chegando na reta final das definições sobre candidaturas e alianças para enfrentarmos aquela que será uma das mais importantes eleições da história do Brasil. O que vivemos nestes últimos anos através de um projeto ultraconservador de caráter neofascista e, ao mesmo tempo, de selvageria liberal, representou um retrocesso e um dos períodos de maior destruição do Estado brasileiro, das conquistas do povo trabalhador e do meio ambiente, com ataques recorrentes à democracia.
Bolsonaro, e sobretudo o bolsonarismo e aqueles que a ele se aliaram quando foi conveniente, promoveram essa destruição disseminando o medo, se apoiando nas inseguranças geradas pelo próprio projeto neoliberal do qual sempre foram defensores. Medo esse expresso na violência física e simbólica contra adversários políticos, contra populações submetidas à miséria e segmentos oprimidos na sociedade. Tudo isso calcado em propagação de notícias falsas, inclusive contra a ciência, e que colaboraram com a perda de mais de 650 mil vidas durante a pandemia. Narrativas que ajudaram a encobrir o aumento do desemprego, em que 30% dos desempregados estão há mais de dois anos em busca de postos de trabalho, e a volta do Brasil a uma situação catastrófica com 116 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar e 19 milhões passando fome, segundo o “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, da Rede Penssan.
A boa notícia em meio a isso tudo é que, no último ano, aos poucos a luta pela vida foi se impondo sobre o medo, pois, parafraseando o poeta Guimarães Rosa, o que a vida pede da gente é coragem. Essa coragem que o povo mostra todo dia na luta pela sobrevivência, e que se mostrou nas grandes manifestações construídas pelo Fora Bolsonaro, em não mais se deixar intimidar pelas ameaças da ultradireita, na resistência dos fazedores de arte contra a censura e na articulação de uma possibilidade real da derrota deste governo nas eleições de 2022.
Em seu Congresso no ano passado, o PSOL aprovou, após muito debate interno, uma política de construção de uma unidade para derrotar Bolsonaro, o que representa, na prática, o apoio à única candidatura que tem apresentado condições reais para este feito, a de Lula. Defendi essa posição e considero uma demonstração de coragem e, mais do que isso, de generosidade e compromisso do Partido com as urgências no nosso tempo e do povo brasileiro, pois representa pela primeira vez a não apresentação de uma candidatura própria em prol de outra com a qual, todos sabem, temos diferenças programáticas.
Construiremos essa unidade, portanto, defendendo e disputando a necessidade de revogação das reformas de Temer e Bolsonaro, o fim do teto de gastos, a retomada dos investimentos públicos, o bloqueio às privatizações, a taxação das grandes fortunas, o enfrentamento à fome e às desigualdades sociais, o combate a toda forma de preconceito e violências estruturais, como políticas de Estado. Também não abrimos mão de apontar o equívoco da anunciada presença de Alckmin na chapa de Lula, mesmo com seu giro ao PSB, pois ele representa todo passivo de espoliação do trabalho e socioambiental do neoliberalismo no Estado de São Paulo. Mas entendemos que a emergência em derrotar o fascismo instalado com a máquina do governo a sua disposição e, mais uma vez, com chances de se tornar o Plano B dos abastados e sonegadores do país, reeditando 2018, impõe ao conjunto das esquerdas e das lutadoras e lutadores sociais a maior valorização daquilo que nos une do que das diferenças que temos.
No estado de São Paulo também nos posicionamos pela unidade para derrotar décadas de tucanato e o candidato daquele que, não podemos esquecer, se elegeu com a bandeira #BolsoDoria, surfando na popularidade que o atual presidente tinha à época e defendendo o mesmo projeto ultraliberal e neofascista. Neste contexto, apresentamos uma pré-candidatura sob a qual haveria condições de construir essa unidade com outros partidos de esquerda, a de Guilherme Boulos, que se tornou uma das grandes figuras da política brasileira. Foram meses de conversas com a militância e os movimentos sociais, visitas a inúmeras cidades e debate programático.
Porém, o balanço feito pelo companheiro nesse período foi de que a esquerda estava indo dividida para as eleições em São Paulo e isso poderia comprometer a possibilidade de derrotarmos os tucanos e fragilizar inclusive a disputa nacional. Além disso, ele poderia contribuir mais fortalecendo nossa chapa ao Congresso Nacional. Por isso decidiu pela retirada da candidatura ao governo.
Nesse cenário em que estamos pressionados pelo tempo e o cenário político eleitoral, o PSOL no Estado de São Paulo enfrentará o debate de sua tática eleitoral frente a duas posições legítimas: buscar um movimento de unidade em torno da pré-candidatura de Haddad ao governo ou lançar candidatura própria.
Tenho manifestado interna e publicamente minha avaliação de que a unidade eleitoral da esquerda também em São Paulo seria o melhor caminho a ser trilhado, sobretudo numa conjuntura em que a derrota do tucanato e do que representou #BolsoDoria no estado se mostra como possibilidade real. Porém, há passos importantes a serem dados dentro do PSOL e pelo PT. Em relação ao partido de Haddad, é primordial que sinalizem para a construção de acordos programáticos e a integração do PSOL na chapa majoritária, abrindo um diálogo que rompa com hegemonismos.
Quanto ao PSOL, caberá um debate franco, democrático e intenso. Mas, de antemão, quero trazer a reflexão de que não podemos minimizar a gravidade do momento histórico. Se em diversas vezes o PSOL enfrentou adversidades e eleições pouco favoráveis, até remando contra a maré, tão ou mais corajosa agora seria uma decisão por uma aliança com partidos de esquerda que respondesse à necessidade imperiosa de derrotar Bolsonaro e o projeto ultraliberal e neofascista no Brasil e em São Paulo, mesmo que isso signifique uma unidade que não seja encabeçada pelo nosso partido.
Precisaremos empenhar muito das nossas energias nesse processo. O atual páreo não está ganho, como pensam alguns. As eleições são uma luta por espaços institucionais, mas também de diálogo com a população, fortalecimento programático e possibilidade de disputa do nível de consciência. E não podemos esquecer o pós-eleições, que será de muitas batalhas, pois seguiremos enfrentando o bolsonarismo e sua herança. Trata-se de frear a política de espoliação e morte, retomar direitos retirados e garantir comida no prato e emprego. Isso demandará unidade e tolerância para dialogar com as expectativas e necessidades da população brasileira e abrir caminhos de retomada de processos coletivos civilizatórios degradados pelo neoliberalismo e trucidados pelo neofascismo. Para isso, precisaremos estar organizados e mobilizados.
Paulo Bufalo é professor do Centro Paula Souza e vereador em Campinas pelo PSOL