Paulo Bufalo[1]

Artigo atualizada em 2021

 

Introdução

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA é considerado uma das Leis mais avançadas na área da infância e da adolescência no mundo. Ele veio regulamentar os dispositivos previstos nos Artigos 204, 227 e 228 da Constituição Federal e em parte, traduziu toda mobilização social e a conjuntura do final dos anos 80, refletindo a correlação de forças daquele período nas instituições e movimentos sociais.

A conjuntura daquele período foi muito influenciada pelo processo da chamada “abertura democrática”, refletida principalmente na campanha pelas “Diretas Já!”, e pela expectativa de consolidação no Brasil de um Estado socialmente mais justo a partir da aprovação da nova Constituição. Este processo provocou grandes mobilizações e estimulou a participação direta dos movimentos organizados visando a inclusão de novos direitos e demandas sociais no texto da Carta Magna.

Tais mobilizações tiveram continuidade nos anos 90, durante a regulamentação daquilo que, mesmo com fortes conchavos de setores conservadores no Congresso Nacional, os movimentos, os setores organizados da sociedade e os parlamentares comprometidos com a maioria do povo brasileiro, conseguiram que fosse aprovado, como os artigos já citados, em especial o Artigo 227, que define uma nova concepção de atenção e cuidados de crianças e adolescentes no Brasil.

Neste processo, as normas regulamentadoras aprovadas, tais como o ECA (Lei Federal n.8069/90), a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei federal n. 8742/93) ou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal n. 9394/96), embora tenham consolidado avanços importantes, sofreram muitas restrições, devido ao perfil majoritariamente conservador e essencialmente neoliberal dos governos federais e dos congressos que se sucederam.

Isso limitou ou subtraiu as obrigações do Estado no financiamento das políticas públicas nas áreas sociais, estimulou, sob a lógica do Estado mínimo, a privatização de tudo aquilo que interessasse à exploração capitalista e fortaleceu este mesmo Estado como controlador das condições políticas para garantia da “tranquilidade dos mercados” e dos lucros de investidores econômicos.

Diante deste cenário, a análise do ECA e de outras Leis aprovadas neste período deve levar em consideração além da conjuntura em que foram concebidas, também, dois aspectos importantes, com grande frequência, atribuídos as legislações em geral.

O primeiro trata-se da suposição de que as leis são neutras. Esta avaliação não considera, por exemplo, o fato de que os espaços institucionais[2] de formulação e aprovação das legislações em diferentes níveis são compostos por representações também de diferentes grupos de ideias, interesses, projetos e, fundamentalmente, diferentes classes sociais, portanto, em grande medida, reproduzem estas diferenças em suas decisões.

Outro aspecto é a suposição de que as leis são autoaplicáveis, bastando que existam. Neste caso é necessário considerar que as leis têm caráter material e para serem colocadas em prática precisam de “sujeitos” interessados e envolvidos com ela.

Com este olhar, a aplicação efetiva das leis ou a construção de novas leis que sejam instrumentos de luta e transformação de uma determinada realidade, desafia a capacidade de elaboração, de criação e de organização do Estado e, só pode ocorrer de fato, com ampla mobilização e participação popular, conhecimento da realidade e do conteúdo das próprias leis e disposição de superar princípios historicamente enraizados.

O ECA é um paradigma e como tal veio romper com o passado de criminalização da pobreza, de abusos e violência contra crianças e adolescentes, até então, chamados de menores, e cujo atendimento tinha centralidade apenas jurídica.

 

Breve Histórico da Infância no Brasil

Na história da infância e da adolescência no Brasil, a violência e a submissão ao adulto sempre estiveram presentes e são as expressões mais precisas da realidade, onde a lógica e os interesses dos “conquistadores” sempre prevaleceram. Embora, como lembra Priore (2000; pg.11), os relatos de “jovens mães do Século XVII” e o cuidado dos adultos com as crianças na sociedade escravista, descrito por estrangeiros, demonstram uma outra face da história da infância no Brasil, como exceções num cenário de barbárie.

A chegada dos europeus no Brasil inaugura um processo de violência contra os povos que aqui viviam. Mais vulneráveis, apesar da proteção de suas comunidades, muitas crianças foram exterminadas pelos invasores ou vítimas da violência pela inculturação promovida pela Igreja Católica na catequização e “domesticação” dos povos indígenas, voltada principalmente aos meninos devido às funções sociais que desempenhavam em suas comunidades.

Durante o período escravista, as crianças brancas permaneciam sob cuidados das “amas de leite”, geralmente negras, para depois serem enviadas às poucas escolas jesuítas[3] que deveriam lhes disciplinar e educar “para o bem” aplicando castigos e toda sorte de métodos punitivos.

Já as crianças negras iriam perambular pelas casas grandes e senzalas das fazendas até atingirem idade para o trabalho que começaria cedo. Há registros de crianças negras com quatro e cinco anos que já acompanhavam seus pais no duro trabalho escravo. Segundo Priore (2000; pg.12):

“A dicotomia dessa sociedade, dividida entre senhores e escravos, gerou outras impressionantes distorções, até hoje presentes. Tomemos o tão discutido exemplo do trabalho infantil. Dos escravos desembarcados no mercado de Valongo, no Rio de Janeiro do início do Século XIX, 4% eram crianças. Destas, apenas um terço sobrevivia até os dez anos. A partir de quatro anos, muitas delas já trabalhavam com os pais ou sozinhas, pois perder-se de seus genitores era coisa comum. Aos 12 anos, o valor de mercado das crianças já tinha dobrado. E por quê? Pois considerava-se que seu adestramento já estava concluído e nas listas dos inventários já aparecem com sua designação estabelecida: Chico “roça”, João “pastor”, Ana “mucama”, transformados em pequenas e precoces máquinas de trabalho.”.

A partir da metade do século XVIII, cresce o número de crianças abandonadas, filhas de relações moralmente “indesejadas” e, o Brasil adota a “Roda dos Expostos” como forma de amenizar tal demanda. As crianças eram deixadas nestas rodas e as Santas Casas eram as responsáveis por cuidá-las preservando o anonimato das famílias.

As péssimas condições de vida e a precariedade dos espaços onde viviam estas crianças fizeram com que muitas morressem ainda com pouca idade, porém, o Brasil manteve o método por praticamente três séculos.

A suposta “abolição” da escravatura no Brasil, não mudará, na essência, a condição de crianças e adolescentes. A pobreza, o trabalho precoce e a baixíssima escolarização permaneceram presentes em suas histórias de vida. Muitas sequer deixaram os antigos senhores, outras foram trabalhar precariamente nas emergentes indústrias ou ainda buscar o sustento de suas famílias nas ruas através de esmolas e prática de pequenos furtos.

O período de final do século XIX e início do século XX é marcado por intervenções na infância pensadas do ponto de vista da saúde e do trabalho. Sendo que na área de saúde prevalecia a idéia da profilaxia e do isolamento de populações de risco, sujeitas, pelas suas condições de vida, a adquirirem e transmitirem doenças como a tuberculose de maneira mais fácil, surgindo assim os asilos de caridade e casas de recolhimento.

Já o trabalho era considerado como uma solução ao “problema do menor abandonado e/ou delinquente” a ponto de serem recrutados em asilos ainda com pouca idade sob alegação de receberem uma ocupação mais útil, submetidos a jornadas de 12 a 14 horas, sob rígida disciplina e em ambientes insalubres sem nenhuma proteção.

Em meados do século XX, as primeiras legislações tratando da questão da infância começaram a vigorar sendo que a principal delas foi o Decreto Lei 17943 de 1927, que estabeleceu o Código de Menores tratando de punições a serem aplicadas às famílias e aos “menores”, leiam-se famílias e crianças e adolescentes submetidas à pobreza em “situação irregular” frente aos parâmetros definidos como normais à época.

Conceitos como “menor carente”, “delinquente”, “pivete”, “menor infrator”, “menor abandonado” e “homem do amanhã”, se transformam em categorias sociais que denunciavam uma vida de miséria e a falta de perspectiva de futuro das crianças, dos adolescentes e das famílias, submetidas às dinâmicas excludentes do modo de produção capitalista.

As medidas de recuperação sob responsabilidade total do “juiz de menores”, visam às famílias que são diretamente responsabilizadas pelos “desvios das crianças”, dos padrões morais estabelecidos. Sua doutrina criminaliza a pobreza e dá amplos poderes ao “juiz de Menores”.

Embora tenha sofrido revisões ao longo da história como em 1940 através do Decreto lei 2848 que “Fixou a idade de 18 anos para imputabilidade penal” e em 1943 através do decreto 6026 instituindo a “categoria de menor infrator”, esta “doutrina” do Código de Menores ficará em vigor no Brasil por mais de sessenta anos, chegando a ser ratificada em 1964 e 1979 pelo Regime Militar.

É simbólico do pensamento social deste período o que afirma ADORNO (1993; pg.181 e 182) em artigo que trata da “Experiência Precoce da Punição” que passo à transcrição:

“O isolamento dos desajustados em espaços educativos e corretivos constituía estratégia segura para a manutenção “pacífica” da parte sadia da sociedade. Em 1936, uma “estudiosa” do problema do “menor” em São Paulo, identificava as “causas” da existência de abandonados, delinqüentes e anormais, todos eles associados à desorganização familiar: desemprego levando à decadência, à pobreza e à indigência; reclusão dos pais em hospitais, cadeias públicas ou manicômios; falta de idoneidade moral, além de outras “degenerações” ligadas à natureza das ocupações, às influências étnicas e à imigração desordenada. Acompanhando as tendências e correntes em voga à sua época, propunha como solução para o problema do “menor”: racionalização da intervenção judiciária de modo a oferecer assistência e amparo “aos menores com finalidades profiláticas quanto ao crime, à loucura, à prostituição e à anormalidade em geral” (Freitas, 1936: 28). Com vistas ao tratamento adequado, sugeria uma classificação dos “menores” e conseqüente confinamento nos seguintes termos: a) para os idiotas e imbecis profundos, os asilos privados; b) para os indisciplinados, delinqüentes, tarados, pervertidos e perversos, os reformatórios; c) para os surdos, míopes e cegos, escolas especiais; d) para os débeis, colônias agrícolas com orientação profissional; e) para os tuberculosos, pré-tuberculosos, sifilíticos, cardíacos, sanatórios e hospitais adequados; f) para os extraviados sexuais, colônias de trabalho; g) retardados e anormais de boa índole, aproveitamento em emprego adequado.”.

No período em que o Código de Menores esteve em vigor, às Constituições Brasileiras fizeram referência às crianças basicamente no que dizia respeito à regulamentação para o trabalho e mesmo assim mantendo a figura do “juiz de menores” com poderes para definir se uma criança podia ou não trabalhar. Como pode ser observado na transcrição abaixo, referente ao Artigo 157 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1946.

“Artigo 157 – A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão aos seguintes preceitos…….

IX – proibição de trabalho a menores de catorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a menores de 18 anos, e de trabalho noturno a menores de 18 anos, respeitadas, em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo juiz competente.” (Grifo meu).

Os anos 70 são marcados por denúncias de esquadrões de extermínio de crianças e adolescentes, que culminam com a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional e provocam amplas mobilizações de setores populares em todo país.

Só na década de 80, no entanto, com o aumento das denúncias de violência contra crianças e adolescentes, por movimentos sociais nacionais e internacionais abre-se à possibilidade concreta de superação do Código de Menores.

A ampla mobilização social junto à Assembleia Nacional Constituinte e a realização do IV Congresso “O Menor na Realidade Nacional”, que em sua resolução final produz uma carta de princípios para os parlamentares, garantem que a Constituição Federal de 1988 estabeleça a criança e o adolescente como prioridade absoluta:

“Artigo 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança e ao Adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Em 20 de novembro de 1989 a Assembleia Geral das Nações Unidas homologou a “Convenção Sobre os Direitos da Criança” ratificada pelo Brasil em setembro de 1990. Esta Convenção resgata deliberações feitas na Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança de 1924, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e na Declaração sobre os Direitos da Criança de 1959.

Neste contexto de ampla mobilização popular e aprimoramento legal do país, em 13 de julho de 1990 o Congresso aprova a Lei 8069. Nasce o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA escrito por milhares de mãos, corações e mentes, que se organizam na luta em defesa dos direitos da infância e da adolescência em todo país e que vêm regulamentar os Artigos 204, 227 e 228 da Constituição Federal.

Podemos destacar como um dos principais avanços da nova Lei a concepção de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, que devem ter prioridade absoluta nas políticas públicas e na gestão do Estado.

Condição esta que contribui na busca pela superação daquilo que Marilena Chauí em exposição proferida em 1993, depois publicada com o título “Criança ou Menor” denomina um “estigma da palavra menor”.

“Há um estigma na palavra menor, não apenas contemporâneo, mas com uma carga muito grande.

 Ao mesmo tempo que combatemos este estigma, precisamos refletir sobre o que acontece com a criança nas sociedades capitalistas avançadas. Existe um processo de infantilização de crianças das classes dominantes para que ela demore mais para entrar no mercado como um competidor. Em contrapartida as crianças das classes dominadas sofrem uma maturação precoce, tornando-se mão-de-obra rápida e fácil de ser explorada. Face a isto, é importante pensarmos o termo criança não só como uma crítica ao estigma do “menor” mas, além do termo carência e baixa renda, também como dominantes e dominados. Na medida em que o processo de escolarização das crianças da classe dominante se estende até o final da Universidade, é até aí que os filhos das classes dominantes serão considerados crianças. No caso das crianças dominadas, a sua infância termina, em boa parte dos casos, antes da própria escola. Temos, portanto uma distinção de classe, dominante/dominado, importante para trabalhar a noção mesma de criança. Isto se manifesta com fatos, nós chamamos as crianças das classes dominantes de criança, e as criança das classes dominadas de menores.”.

O ECA estabelece assim um novo paradigma no debate das condições de vida da criança e do adolescente no Brasil. Vejamos agora os preceitos desta Lei que se transformou em referência internacional sobre o tema.

Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

Para discutir o ECA propriamente dito, é fundamental avaliar os avanços trazidos por ele frente ao antigo Código de Menores. O quadro a seguir apresenta um paralelo entre ambas as Leis, considerando os aspectos mais relevantes.

 

Aspecto Considerado CÓDIGO DE MENORES

Leis 6697/79 e 4513/64

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – Lei 8069/90
Base doutrinária Direito tutelar do menor. Os menores são objetos de medidas judiciais quando se encontram em situação irregular, assim definida, legalmente. Proteção integral: a lei assegura os direitos de todas as crianças e adolescentes sem discriminação de qualquer tipo.
A Concepção político-social

Implícita

Trata-se de um instrumento de controle Social da Infância e da adolescência vítima das omissões da família, da sociedade e do Estado em seus direitos básicos. Instrumento de desenvolvimento social voltado para o conjunto da população do país, garantindo proteção especial aquele segmento considerado pessoal e socialmente sensível.
Visão da Criança e do Adolescente Menor em situação irregular: objetos de medidas judiciais.  Sujeito de direitos

Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Posição de magistrado O código vigente não exige fundamentação das decisões relativas à apreensão e confinamento de menores. É subjetivo. Garante à criança e ao adolescente o direito e a ampla defesa com todos os recursos a elas inerentes. Limita os poderes então absolutos do Juiz.
Em relação à apreensão Preconiza a prisão cautelar hoje inexistente para adultos. Restringe a apreensão apenas a 2 casos:

a) Flagrante delito de infração penal.

b) Ordem expressa e fundamentada do juiz.

Objetivo Dispor sobre a assistência a menores entre 0 a 18 anos que se encontrarem em situação irregular e entre 18 e 21 anos, nos casos previsto em leis, através da aplicação de medidas preventivas e terapêuticas. Garantia dos direitos pessoais e sociais, através da criação de oportunidades e facilidades a fim de facilitar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade.
Efetivação em termos de Política Social As medidas previstas restringem-se ao âmbito:

a) Da Política Nacional de Bem Estar do Menor. (FUNABEM ou congêneres).

b) Segurança Pública.

c) Justiça de menores.

 Políticas sociais básicas;

Políticas assistenciais. (em caráter supletivo);

Serviços de proteção e defesa das crianças e adolescentes vitimizados;

Proteção jurídico-social;

Princípios estruturadores              da política de atendimento – Políticas sociais compensatórias: centralizadas e assistencialistas.  Municipalização das ações.

Participação da comunidade organizada da formulação das políticas e no controle das ações.

Direito de defesa Considera que o menor acusado de infração penal já é hoje defendido pelo curador de menores (promotor público). Garante ao adolescente a quem se atribua autoria de infração penal defesa técnica por (advogado). Profissional habilitado.
Mecanismos de participação Não abre espaços à participação de outros atores que limitem os poderes da autoridade policial, judiciária e administrativa. Prevê, instâncias colegiadas de participação (conselhos paritários Estado-sociedade) nos níveis federal, estadual e municipal.
Vulnerabilidade

sócio-econômica

Os menores carentes abandonados e infratores devem passar todos pelas mãos de juiz. Os casos de situação de risco pessoal e social são atendidos por uma instância sócio-educacional coligada, o Conselho Tutelar.
Infração Todos os casos de infração penal passam pelo juiz. Os casos de infrações que não impliquem grave ameaça ou violência à pessoa podem ser beneficiados de remissão (PERDÃO) como forma de exclusão ou suspensão do processo.
Internamento Medida aplicável a crianças e adolescentes por pobreza (manifesta incapacidade dos pais para mantê-los) sem tempo e condições de terminados. Medida só aplicável a adolescentes autores de ato infracional grave, obedecidos aos princípios de brevidade, excepcionalmente e respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Caráter social Penaliza a pobreza através de mecanismos como:

a) cassação do pátrio poder

b) imposição da medida de internamento a crianças e adolescentes pobres.

A falta ou insuficiência de recursos deixa de ser motivo para perda ou suspensão do pátrio poder através do Conselho Tutelar. Despudicionaliza os casos exclusivamente sociais.
Crimes de infrações cometidas contra crianças e adolescentes. É omisso a este respeito. Pune o abuso do pátrio poder, das autoridades e dos responsáveis pelas crianças e adolescentes.
Fiscalização do cumprimento da lei. Não há fiscalização do judiciário por nenhuma instância governamental.

Da mesma forma, os órgãos do executivo, não executam, via de regra, uma política de participação e transparência.

Prevê participação atuante da comunidade e através dos mecanismos de defesa e proteção dos interesses difusos e coletivos, pode levar as autoridades omissas ou transgressoras ao banco dos réus.
Atendimento provisório Na aplicação do código vigente, são medidas das mais rotineiras. Só haverá internamento provisório em caso de crime cometido com grave ameaça ou violência à pessoa.
Funcionamento da política A política é traçada pela FUNABEM é executada nos Estados pelas FEBEM (s) e congêneres com apoio técnico e financeiro Nacional. Ao Órgão Nacional caberá apenas a função traçar as normas gerais e coordenar a política no âmbito Nacional.
Elaboração Elaboração por um grupo de Juristas. Elaborado por milhares de mãos pelo movimento social em favor da criança e do adolescente, com apoio técnico – judiciário e um competente grupo de juristas da magistratura, dos ministérios públicos e da FUNABEM.

Notícias Constituintes: Comissão de Acompanhamento à Constituinte 08/09/1989, reprodução: Fórum Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Campinas, maio/1996.

O ECA tem o propósito de detalhar e traduzir os princípios colocados na Constituição Federal referentes aos direitos da infância e da adolescência. Desta forma, torna-se imperativo a reestruturação das entidades de atendimento governamentais e não governamentais, bem como a deliberação das funções e papéis para o Poder Executivo e Judiciário.

Além disso, prevê a organização de instâncias deliberativas, como os Conselhos de Direitos e os Fóruns de participação da sociedade na elaboração, regulamentação e fiscalização de seus preceitos. Reconhece ainda a função e o papel da família, ao apontar o direito da criança e do adolescente, à convivência familiar e comunitária. Garante a proteção da cidadania da criança e do adolescente sem retirá-lo da convivência com a família e a comunidade.

O Estatuto é dividido em “dois livros”, o primeiro considerado uma “parte geral” que vai do artigo 1 ao 85 e estabelece regras a serem utilizadas quando desejamos corrigir nossos erros no atendimento da Criança e do Adolescente e, o segundo, uma “arte especial”, vai do artigo 86 ao 267 e preconiza sobre as providências a serem tomadas quando há desvios das Famílias, da sociedade e do Estado em relação ao primeiro Livro. Fala ainda sobre as ações articuladas entre o poder público, a sociedade civil nos vários níveis, contrapondo-se à prática anterior de uma política do bem estar do menor, ditada em nível federal e submetida ao arbítrio do Poder Judiciário.

Participação da Sociedade

Refletindo a tendência daquele período, o Estatuto cria dois importantes grupos de instrumentos de participação da sociedade da gestão das políticas públicas e fiscalização de seus preceitos. Os primeiros são os Conselhos de Defesa dos Direitos, que devem existir em todos os níveis da federação com o papel de elaborar, definir e fiscalizar as políticas e programas nesta área e os outros são os Conselhos Tutelares que devem ser criados em todos os municípios com a tarefa de zelar pela aplicação dos direitos previstos no ECA na proteção das crianças e dos adolescentes.

 

Conselho de Direitos (Artigo 88)

É órgão de composição paritária entre Poder Público e sociedade civil, vinculado à estrutura do Poder Executivo, tão somente para efeitos administrativos e de estrutura de funcionamento.

  • É deliberativo e controlador das políticas e ações em todos os níveis de governo, assegurada a participação popular.
  • Os membros da sociedade civil organizada serão eleitos entre seus pares, sem ingerência do Poder Público. A escolha se dá através de assembleia específica, previamente convocada, com normas e procedimentos estabelecidos por lei municipal, levado ao conhecimento de toda comunidade.
  • Os membros do Poder Público serão pessoas indicadas por ele próprio, sob a responsabilidade do Executivo do respectivo nível de governo. Os membros serão de diferentes secretarias e órgãos do governo.
  • É ele quem deve estabelecer a política de atendimento a crianças e adolescentes no respectivo nível de governo atendendo o artigo 90 do ECA e definirá a aplicação dos recursos dos respectivos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente[4].
  • As entidades não governamentais deverão ser registradas no CMDCA, assim como seus programas que deverão ser avaliados e fiscalizados, periodicamente sob responsabilidade do Conselho.
  • Os membros dos Conselhos de Direitos serão nomeados pelo chefe do Poder Executivo e não serão remunerados, embora desempenhem papel relevante.

Por suas características e funções os Conselhos de Direitos se constituem em instrumentos fundamentais de construção da democracia participativa nesta área e de consolidação das políticas públicas de atenção a crianças e adolescentes como política de Estado.

 

Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar é são órgão permanente, autônomo, não jurisdicional, encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente definidos no ECA (Art.131).

  • È indispensável como instrumento a efetivação do ECA e defesa da criança e do adolescente.
  • Sem esse órgão o coordenador dessas ações era a “Justiça de Menores”. Hoje o judiciário deve atender quando ocorrer conflito de interesses (adoção, distribuição, guarda, tutela e ato infracional).
  • Os Conselheiros estarão investidos de autoridade quando atuarem de acordo com a Lei (ECA);
  • Só deve obediência à ordem jurídica (art. 137) e a própria consciência.

O CT é permanente porque não se trata de uma entidade alternativa; autônomo porque embora vinculado a Prefeitura Municipal, seus membros desempenham um conjunto de tarefas que só eles podem exercer e um órgão não jurisdicional, porque não se subordina, nem é vinculado ao Poder Judiciário.

Diferente daquilo que muitas vezes se pensa o Conselho Tutelar não é um programa governamental nem uma entidade não governamental a quem cabe desempenhar a política de atendimento de crianças e adolescentes, ou seja, uma rede de atendimento.

Deve-se reconhecer, no entanto, que um número reduzido de Conselhos Tutelares traz dificuldades ao atendimento e a proteção de crianças e adolescentes como, prioridades absolutas e sujeitos de direitos. A recomendação do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA em sua Resolução nº 139/2010 é de 1 (um) CT com 5 (cinco) membros para cada 100.000 (duzentos mil) habitantes.

O ECA estabelece que toda cidade deve ter ao menos um Conselho Tutelar. Os conselheiros ou conselheiras são selecionados através de provas e eleições para exercerem mandato. Serão pagos pelos cofres públicos e não devem ser mantidos com recursos do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente.

Considerações

Desde 1990, em que pese os significativos avanços conquistados neste período o ECA ainda carece de efetivação. A sua consolidação prática é fundamental para melhoria da vida de meninas e meninos em nosso país.

A simples superação da palavra menor pela referência criança e adolescente nos parâmetros definidos pelo ECA, ou a mudança daquilo que a professora Marilena Chauí chamou de “estigma da palavra menor”, pode significar um avanço relevante na compreensão destas pessoas enquanto sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Ao diferenciar os conceitos “menor e criança” sob a lógica do capitalismo a professora localiza uma distinção de classe intrínseca ao conceito de “menor”.

Hoje é muito comum ouvirmos opiniões equivocadas sobre o ECA. Uma das referências mais recorrentes e absurdas atribuídas ao Estatuto é que ele serve “para proteger bandidinhos” se referindo aos adolescentes que cometem atos infracionais, o que revela o completo desconhecimento das medidas sócio-educativas preconizadas no Estatuto, ou má intenção na referência.

Em seu Artigo 112 inciso VI prevê a “internação em estabelecimento educacional” caso seja verificada prática de ato infracional, esta internação a que se refere constitui privação de liberdade. Além disso, o mesmo artigo estabelece outras sanções mais leves a serem atribuídas conforme a gravidade dos atos praticados. Aliás, tais sanções são consideradas por alguns juristas um grande avanço nas legislações que tratam de atos infracionais, chegando a servir como referência para própria reforma do Código Penal.

Daí a necessidade do conhecimento profundo do ECA seja para defendê-lo ou para criticá-lo e do combate à cultura do senso comum que impera socialmente e muitas vezes acaba condenando antes mesmo de qualquer julgamento.

Os diversos setores sociais precisam enfrentar sem medo as distorções geradas por esta cultura e brigar pelo enquadramento dos serviços e das políticas de atendimento conforme prevê o ECA. A Escola formando crianças e adolescentes como protagonistas e sujeitos que exigem respeito e dignidade. Os meios de comunicação informando a população com isenção e na busca da superação de preconceitos. As instituições do Estado buscando suprir as demandas de políticas públicas das áreas sociais a toda população e aprimorando a máquina estatal segundo as necessidades da maioria do povo. Enfim, a sociedade se abrindo à possibilidade de mudanças no tratamento daquelas pessoas que, ao longo da história, foram percebidos pela lógica da divisão de classes sociais e pela submissão ao mundo dos adultos.

A efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente é possível, o primeiro passo é acreditar nesta possibilidade ou ficarmos sujeitos à pena de “jogar a criança fora com a água usada no banho”.[5]

 

Bibliografia

 

  • ADORNO, S.: “A Experiência Precoce da Punição” in MARTINS , J. S.: (Coordenador) “O Massacre dos Inocentes – A criança sem infância no Brasil.”, São Paulo, Editora Hucitec, 1993.
  • ANDRADE, J.E. “Conselhos Tutelares: sem ou cem caminhos”. São Paulo: Veras Editora, 2000.
  • BRASIL. “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”. Brasília, 1946.
  • BRASIL. “Constituição da República Federativa do Brasil”. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1988.
  • BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, 1990.
  • BUFALO, P. Jornal Correio Popular “13 anos do ECA: Um Estatuto Adolescente”. Campinas – SP, julho, 2003.
  • Comissão de Acompanhamento à Constituinte. “Informativo – Notícias Constituintes” Brasília, 1989.
  • Moraes, D. Artigo: “Em Discussão o Estatuto da Criança e do Adolescente”. Campinas/ SP, 1995, (mimeo).
  • PASTORAL DO MENOR.; “Estatuto da Criança e do Adolescente”. In; Cadernos de Formação nº 04: Belo Horizonte, 1992.
  • PRIORE, M. D. (Organizadora).; “História das Crianças no Brasil”; São Paulo, Editora Contexto, 2000.
  • Procuradoria Geral do Estado. “Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos”. Agosto, 1997.
  • SÊDA, E. “A Criança e o Direito Alternativo”. São Paulo: Ed. Adês, 1995.

[1]Engenheiro, Professor de Ensino Técnico e Mestre em Educação pela UNICAMP onde analisou o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil na Região Metropolitana de Campinas. Cumpre mandato de Vereador pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL na Câmara de Campinas onde é presidente da Comissão de Cultura e membro das Comissões de Educação e de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente.

 

[2]           Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas Estaduais e Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado).

[3]           Importante registrar que o ensino público no Brasil foi implantado de maneira precária e para poucas pessoas, apenas na segunda metade do século XVIII, durante o governo de Marquês de Pombal.

[4]             Os Fundos estão previstos no artigo 88 inciso IV do ECA e deverão ser vinculados aos Conselhos dos respectivos níveis de governo onde deverão ser alocados os recursos de atendimento da criança e do adolescente.

[5]             Neste tópico sobre “Considerações” utilizei em grande parte de Artigo de minha autoria sobre os 13 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente publicado em jornal da cidade de Campinas e citado na bibliografia.