Paulo Bufalo
O prefeito Dário Saadi apresentou uma lista de ações e obras que pretende implementar na cidade nos primeiros cem dias de seu governo, com a previsão de investimentos de R$ 60 milhões, segundo informou a própria administração.
Das ações anunciadas, muitas são emergenciais e inadiáveis, como as obras de manutenção e limpeza da cidade, convocação de médicos aprovados em concurso público e vacinação contra a Covid-19, que depende da aprovação da Anvisa e da disposição política dos governos federal e estadual.
Porém, o que chama atenção é a fragmentação das iniciativas e a ausência de um projeto de desenvolvimento com medidas estruturantes para que a administração enfrente os grandes desafios da cidade no próximo período.
A maioria das medidas anunciadas não trazem nenhuma novidade em relação ao que já estava em andamento na administração anterior e, inclusive, não respondem a problemas sérios levantados pelo próprio prefeito em seu discurso de posse.
O corte de funcionários comissionados anunciado por Dário é uma exigência de decisão judicial, que em 2016 acatou ação do Ministério Público apontando abuso na nomeação dos cargos de confiança e apadrinhados políticos de Jonas Donizette e que não tinha sido cumprida por conta de liminares conseguidas pelo ex prefeito. Aliás esta ação que agora está em última instância poderá cassar os direitos políticos de Jonas.
Na saúde, que desde antes da pandemia já estava caótica e não atendia as necessidades da população, além de estar refém de privatizações e terceirizações que geraram graves casos de corrupção, o prefeito anunciou a convocação de 200 médicos que já estavam aprovados em concurso e do programa Mais Médicos Campinas, construção do Hospital Infantil e licitação do Hospital da Mulher, mas não apresentou qualquer ação consistente para fortalecimento das unidades básicas de saúde e estruturação das equipes de saúde da família, e rompimento da lógica privatista que tem sugado recursos públicos e precarizado o trabalho dos profissionais ou a mudança da relação da administração com o Conselho Municipal de Saúde, que deveria ter papel central na definição de toda política pública de saúde, mas, ao que tudo indica, seguirá sendo ignorado.
O mesmo ocorre com a educação, onde o prefeito anunciou a entrega de três unidades de educação infantil que estão sendo construídas, mas não apresentou qualquer iniciativa que aponte para suprir a falta de trabalhadores na educação, respeitar a carreira e as agentes de educação infantil com inclusão na carreira do magistério, ampliar de forma consistente de vagas em creche ou mudar a gestão dos recursos da educação usados para compra de imóveis e materiais inúteis ao processo pedagógico.
Nenhuma referência ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação que é a grande discussão do financiamento da educação básica no país e poderá mudar os parâmetros de planejamento e gestão dos recursos públicos da educação.
Nesta mesma linha, na área de cultura, nenhuma ação estruturada foi apresentada, mesmo o governo conhecendo a situação emergencial de artistas e trabalhadores deste setor, que foi um dos primeiros a serem afetados pela pandemia e tendo colocado um valor irrisório de recursos próprios para efetivação da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural na cidade.
O Plano também se mostra insuficiente, frente a demandas que o próprio prefeito elencou em seu discurso de posse como de emergência absoluta, que são o combate à fome e às desigualdades sociais. Restringiu-se a prorrogar por três meses o cartão Nutrir, com auxílio de R$ 98,50 por mês, que embora importante, mostra-se completamente insuficiente como política de combate à fome e a miséria extrema, especialmente em um momento em que o Governo Federal anuncia o fim do auxilio emergencial e em um cenário de desemprego elevado, aumento dos preços dos alimentos e pandemia fora de controle. Uma cidade como Campinas tem plenas condições de estruturar um programa de garantia de renda básica para estímulo do consumo em comércios locais e referência no combate à pobreza extrema.
Na questão de geração de empregos o Plano demonstra que o governo seguirá apostando em duas frentes. Por um lado no pequeno empreendedorismo que, sem suporte de políticas públicas para organização, formação e microcrédito, transfere às pessoas a total responsabilidade pelo insucesso nos negócios, e por outro, no estímulo a grandes empreendimentos adotando um tripé de medidas ditas de desburocratização, desoneração fiscal e leniência com o patrimônio histórico e o meio ambiente, cujas experiências vêm piorando a qualidade de vida nas cidades.
Um exemplo desta postura foi a sanção do prefeito Dário no Projeto de Lei Complementar 47/2020 aprovada pela Câmara, no apagar das luzes do ano velho, prorrogando por mais dois anos a isenção de pagamento da outorga onerosa para construir e o escalonamento de sua implementação para mais dez anos. Aliás o governo Jonas e seus aliados desfiguraram este importante instrumento urbanístico de planejamento e indução e fizeram da outorga onerosa uma verdadeira outorga generosa para as construtoras.
São ações pontuais como esta que geram imensos problemas que atingem as cidades e toda a sociedade, afetando progressivamente de forma mais acentuada quanto mais pobres são as pessoas. São graves problemas ambientais, de mobilidade, assistência social, destinação de resíduos sólidos, habitação, saneamento, entre tantos outros, que não podem ser ignorados, mesmo num programa para os primeiros dias de governo.
Por essas razões entendemos que o chamado Plano de 100 dias apresentado pelo Prefeito Dário Saadi está muito aquém de apontar um projeto consistente que responda às necessidades e aos imensos desafios colocados para uma cidade do porte de Campinas. É isso que cobraremos na Câmara Municipal.
Paulo Bufalo é vereador em Campinas (PSOL) e professor da Escola Técnica Estadual Bento Quirino
(Publicado no site Carta Campinas em 17 de janeiro de 2021)
Foto: Luiz Granzoto/ PMC – Divulgação