Por Paulo Bufalo

 

As ocorrências de contaminações e surtos de Covid-19 em várias escolas públicas e privadas que retomaram as atividades presenciais com trabalhadores ou com alunos são evidências de que, mesmo com poucas pessoas, os “protocolos de segurança”, por mais rigorosos que sejam e apesar de importantes, não impedem a circulação do vírus. Indica que a testagem inicial, periódica e permanente é fundamental para controle de pequenos ou grandes encontros frequentes de pessoas que circulam por espaços diversos, e que a vacina para todos é absolutamente urgente e necessária para que a vida comece a retomar seu curso normal.

 

Os trabalhadores e as trabalhadoras em educação já demonstraram de muitas maneiras que estão solidários com as angústias e o sofrimento de seus alunos e famílias, seja pela ausência prolongada de aulas presenciais que são essência da educação, ou por compreenderem que a precariedade do chamado ensino remoto aprofunda as desigualdades sociais na educação. Porém, estes trabalhadores e o conjunto da comunidade de escolar não podem ser submetidos às determinações de governantes quem desprezam a realidade das escolas e mostram pouco apreço pelas vidas que não se recuperam.

 

Durante a pandemia da COVID-19 todos acumulamos perdas econômicas, sociais e afetivas, e os impactos destas perdas são proporcionais às condições socioeconômicas das famílias. Quanto maior o índice de pobreza mais graves são seus efeitos. Porém não são as palavras e as necessidades dos mais impactados que determinam as prioridades dos governos.

 

Desde o início da pandemia os governos dialogaram com o mercado da educação e impuseram regras para os setores público e privado conforme os interesses destes negócios. Os trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo da educação pública, foram ignorados em suas opiniões, condições de vida e perdas.

 

No que diz respeito ao retorno das aulas presenciais, os gestores públicos da educação fazem um verdadeiro malabarismo científico e político que lembra, inclusive, a famosa frase de Rubens Ricupero “o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.

 

Escondem o fato de muitas escolas públicas não terem condições básicas para garantir a segurança sanitária de trabalhadores e alunos, pois há décadas enfrentam sucateamento e cortes de recursos para manutenção, com falta de profissionais, instalações inadequadas e falta de verbas até para materiais básicos, quanto mais para os que atendam “protocolos de segurança”. Faturam com as exceções que, invariavelmente, contam com comunidades escolares muito ativas e de condições econômicas acima da média dos trabalhadores assalariados, o que lhes permitem ajudar financeiramente as escolas, substituindo inclusive o papel do Estado em várias áreas.

 

Escondem também que quando afirmam os “protocolos de segurança” como infalíveis para o bloqueio das contaminações pela COVID, pretendem responsabilizar trabalhadores, alunos e escolas caso venham ocorrer contaminações e mortes, pois estes teriam desrespeitado as regras protocolares. Faturam quando negam a testagem como medida de monitoramento e controle de eventuais contaminações, afirmando que os testes são recomendados apenas aos sintomáticos mesmo sabendo que existem pessoas que carregam o vírus e não manifestam sintomas.

 

Todos queremos retomar o curso de nossas vidas. Mas temos condições para fazer isto sem nos expor e a outros à perda mais profunda que podemos ter que é a morte? Por isso, nunca foi tão forte a ideia de que conhecimento e graduação escolar se recuperam, mas vidas humanas não.

 

A situação é ainda mais grave quando vemos o crescimento de contaminações e mortes, surgimento de novas variantes do vírus, falta de insumos básicos como oxigênio, estruturas deterioradas, insuficiência de trabalhadores e risco de colapso do sistema de saúde.

 

É incontestável que muitos desprezam tudo isso e até as medidas básicas de prevenção, como o uso de máscaras, e lotam praias e lojas, fazem festas, comemoram títulos esportivos e presidências de parlamentos, lotam bares, entre outras formas de negação ou rompimento com a realidade. Todas elas expõem a coletividade à contaminação e não são nada solidárias, porém envolvem atitude espontânea e decisão individual, o que não ocorre quando as pessoas são obrigadas a frequentarem ambientes potencialmente contaminantes.

 

Por isso os governos e a grande mídia, convencidos da retomada das aulas presenciais a qualquer custo, exploram os desejos de crianças, adolescentes e suas famílias por retornarem as escolas, como se isso devolvesse certa normalidade à vida privada e principalmente ao consumo. Ignoram que as escolas não são apenas os prédios supostamente protegidos que oferecem “lousa, giz e cuspe”, mas espaços de relações e contatos humanos. Tudo que não pode ocorrer neste momento.

 

Além disso, como já foi constatado, a retomada das aulas presenciais, obrigando trabalhadores e estudantes a retornarem às suas funções, mesmo que não sejam do chamado “grupo de risco”, aumenta contaminações e, consequentemente, o número de mortes. Por isso muitos países regrediram da decisão da abertura das escolas. Só não há mais registros no Brasil, pois até então poucas redes de educação foram lançadas nesta aventura irresponsável.

 

Para que o retorno às escolas seja de fato uma contribuição à retomada à normalidade precisamos de vacinas para os trabalhadores da educação e para todos aqueles e aquelas que, devido às suas funções profissionais, estejam vulneráveis à contaminação. Além disso, é necessário garantir condições sanitárias das escolas para além dos protocolos, que são importantes, mas só cuidam do problema forma superficial. Também é necessário o monitoramento permanente de eventuais contaminações através das testagens. Para isso é preciso rever as políticas de ajuste fiscal em sacrifício dos programas sociais e investir na estrutura da educação pública.

Escolas são primordialmente espaços plenos da vida, de convivência e conhecimento. Não devem ser confundidas com negócios e muitos menos vetores de propagação ainda maior da pandemia, como os fatos recentes têm demonstrado.

Paulo Bufalo é vereador em Campinas (PSOL) e professor da Escola Técnica Estadual Bento Quirino.

Publicado no site Carta Campinas  e no site do PSOL Nacional